sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011



E então o carnaval de Salvador se aproxima e eu, enquanto residente nessa cidade, não poderia deixar de observar toda a movimentação que se dá para que a tal “festa da carne” aconteça. Aqui vai muito mais um desabafo do que um texto literário em si (se é que é possível extrair literatura de tanta desigualdade, hipocrisia e violência). Pois bem, lá vou eu.


Nesse momento, há poucos dias antes da tal festa começar, paira sobre algumas regiões da cidade, mas especificamente, sobre o Pelourinho, Avenida Sete, Campo Grande, Barra e Ondina um certo clima de (falsa) alegria, conhecido também como “axé”,  o qual se mistura com muita vontade de servir, leia-se: subserviência, além, é claro, de muita ganância e ambição por parte daqueles que detém os meios de produção. Aflorando, assim, uma das principais características da capital racista baiana: a desigualdade social.

O Estado, com sua máquina de controle social, trata de se instalar em pontos estratégicos do circuito e está pronto para agir com toda a veemência necessária sobre aqueles que tentarem “desobedecer a ordem”. O pior é que esses, como a corda só arrebenta do lado mais fraco, acabam sempre sendo aqueles que fazem parte dos 80% da população, os negros e afro-descendentes.

Os empresários fazem da rua, espaço público por direito, algo privado, a partir do momento em que constroem camarotes como extensões de seus estabelecimentos (hotéis e afins) e não param até a realização da festa em si, quando põem seus blocos nas ruas, transformando esse espaço numa verdadeira mina particular. E ai daqueles que tentarem ultrapassar a linha, nem tão imaginária assim, que demarca esse território.

Nesse ponto, chegamos a uma demonstração mais explícita do que estou chamando aqui de desigualdade social. De um lado, os soteropolitanos_ êpa!  Vamos ser mais exatos_ os soteropolitanos que normalmente vivem da periferia.  Sim! Aqueles que por viverem numa das cidades mais desiguais do país e não terem, muitas vezes, condições de comprar um abadá de novecentos reais, ficam de fora das cordas, as quais são seguradas também por pessoas desse mesmo grupo social, sendo, por isso,  chamadas de pipoca. Maneira engraçada _para mim, pejorativa_ de se referir a uma multidão, a qual está sendo excluída, cada vez mais, do circuito do carnaval. Multidão essa que vende churrasco, cerveja, a tal pipoca, água e etc. e que, principalmente, contribui para a limpeza do mesmo circuito do qual é excluída catando latinhas. Vale ressaltar que essas pessoas passam por uma verdadeira maratona até chegar à região da festa. Poderia escrever muito mais sobre isso, mas por economia de espaço, deixarei para outra oportunidade.

Do outro, estrangeiros, que vêm em busca de muito sexo e diversão numa das “cidades mais quentes” do Brasil. Quentura essa, que não se refere exclusivamente ao clima da cidade, mas também ao mito, há muito propagado, do ser negro soteropolitano “forte, robusto e bom de cama”. Com isso, podemos nos perguntar se é a arte que imita a vida ou a vida que imita a arte... talvez, Jorge Amado pudesse nos explicar melhor esse fato.

O fato é que esse curto longo período de tempo: sete dias de pura festa (e muitas mazelas) vivido na capital baiana constitui um verdadeiro laboratório. Acho que Frantz Fanon iria gostar de morar aqui. Seu campo de pesquisa seria vastíssimo, abordando desde a música até o racismo, a segregação, a conveniência, a alienação dentre muitas outras coisas.

Enfim, tendo consciência de que a indústria do carnaval é algo que ainda vai perdurar por muitos e muitos anos, me limito a ficar de telespectador dessa que é a maior festa do Brasil, se não, do mundo, mas que também, muitos  esquecem dizer, é a mais desigual e excludente...

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