quinta-feira, 12 de setembro de 2013


Como começar um texto que perpassa pelo corpo? Esta foi a inquietação que hoje me afligiu ao tentar iniciar este texto, que perpassa pelo corpo não de maneira genérica, mas, contrariamente, de maneira específica, sendo esse corpo, um corpo negro, corpo feminino. 

Nesta data, 12 de setembro de 2013, defendeu, no LAB 1 da faculdade de  Educação, a monografia intitulada  “A articulação do atendimento educacional especializado com a educação infantil: um estudo de caso” a, até então estudante, Eunice Uzeda, minha esposa.

Na banca, três professoras: uma doutora, uma doutoranda e uma mestra. Como resultado, após toda a reflexão que o trabalho exige, um dez. Um dez que demorou para fazer a “ficha cair”. Dez, o grau máximo para uma sociedade meritocrática, que valoriza as pessoas com base nos méritos pessoais, mesmo tendo elas oportunidades diferentes. 

Pois bem, vamos em frente. Não sei para ela, mas, para mim, esse dez é representativo. Essa nota-conceito (excelente) tem muito a dizer sobre uma mulher negra, pobre, periférica, a qual traz, querendo ou não_e sei, ela quer_uma carga histórica de todo um grupo ético-racial excluído dos postos de poder, dos lugares de destaque na sociedade, dos bancos da ciência, da Academia, enfim.

Presenciar isso pra mim, também homem negro e periférico, que compreende que o lugar da mulher é outro, e que o lugar da mulher negra não tem igual, teve reflexos mil, efeitos vários.

Me fez viajar no tempo, tempo aquele em que eu era membro de uma biblioteca comunitária na invasão do Moscou, no bairro de Castelo Branco e lembrar das palavras de Maísa Flores, de que, nós negros, temos outras histórias para serem mostradas, para serem contadas, para além das cenas de violências expostas em “programas de humor” como se liga bocão, na mira (sic) etc. 
Presenciar essa cena reacendeu em mim uma revolta positiva, canalizada, no sentido de que é nesse lugar que devemos estar, que podemos estar, que podemos!, como diria Obama, presidente esse que, apesar dos equívocos, exerce influência positiva sobre as mentes de crianças e adultos ao redor do mundo. Influência essa tão necessária para elevar a autoestima da população negra, principalmente, num país como Brasil que, como bem mostrou Ana Célia da Silva em seu livro “A Discriminação do Negro no Livro Didático” anda bastante abalada, desde a infância.

Foi então que me peguei ouvindo o Ilê, ouvindo suas músicas “População magoada”, “A esperança de um povo”, “Canto sideral”, “Tentação negra”, entre outras e refletindo sobre a importância desse bloco afro, bem como a do Olodum, entre outros, justamente, nesse sentido de nos colocar para cima numa sociedade que insiste no contrário. 

Certamente, esse dez não é apenas de Eunice Uzeda, pedagoga, formada pela UFBA. É de Zumbi, Lucas Dantas de Amorim Torres, Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, Manoel Faustino Santos Lira e João de Deus do Nascimento. É de Malcom X, de Rosa Parks, de Steve Biko, de Joseanne Guedes, De Madalena e Lourdes, mães guerreiras,  de Maísa Flores, de Cristina e Cristiane, de Kris Aurora, de Franci Sousa, de Hilton Sá e família, de Valdeluce Nascimento, de Uilians Souza, de Jocevaldo Santiago, de Lélia Gonzáles, de Lívia Natália, de Dyane Brito, de Florentina da Silva, de Denisson Palumbo, dos Panteras. Esse dez é da invasão do Moscou; da Avenida Peixe; de Saramandaia; da Plataforma, de Alexandre Alves e de tant@s outr@s.

Esse dez é das escolas públicas fechadas a cada ano, das escolas sem aula por dias afins, de todos os terreiros, dos ônibus lotados de domésticas e garis, profissões simbólicas!; é das pessoas pobres à espera de atendimento nos hospitais públicos e postos, onde, quando muitos médicos não “descobrem” o que não temos, não nos tocam nem nos olham nos olhos. Esse dez, como visto, é um dez coletivo, como tanto outros omitidos por parte de uma estrutura racista como a universidade pública.

Asè!